Inverted Tier Rates: o que o Brasil pode aprender com Ahmad Faruqui

O setor elétrico brasileiro enfrenta um dilema antigo, mas ainda sem solução eficaz: como tornar a tarifa de energia mais justa, eficiente e sustentável? Com subsídios mal distribuídos, sinalização econômica distorcida e uma estrutura regressiva que penaliza os que menos consomem, o modelo atual está esgotado. É nesse contexto que surge a discussão sobre as Inverted Tier Rates no Brasil — ou tarifas progressivas por blocos de consumo — como uma alternativa concreta e necessária.

Adotado em países como Estados Unidos, Índia, Tailândia e África do Sul, esse modelo é defendido por especialistas como Ahmad Faruqui, economista global e referência em estruturação tarifária. O que ele propõe pode ser a chave para um sistema mais equilibrado e preparado para os desafios da transição energética.


O que são as Inverted Tier Rates (ITRs)?

As Inverted Tier Rates são um modelo de tarifação que segmenta o consumo de energia em faixas (ou blocos). Funciona assim:

  • O primeiro bloco, destinado ao consumo essencial (geralmente até 80 kWh/mês), recebe uma tarifa mais baixa ou até isenção.

  • Blocos seguintes são tarifados com valores progressivamente maiores.

O princípio é claro: quem consome mais, paga mais — uma lógica que inverte a regressividade atual do sistema brasileiro. O objetivo não é apenas corrigir distorções sociais, mas também enviar um sinal econômico eficiente para o uso racional da energia.

Em “inverted tier rates” (taxas em degraus invertidas), o custo da energia aumenta à medida que o consumo aumenta. Ou seja, o primeiro nível (normalmente para consumo essencial) tem a taxa mais baixa, e quanto mais energia o cliente utiliza, mais alta se torna a taxa.

Por que o Brasil precisa discutir esse modelo?

O sistema tarifário brasileiro apresenta graves distorções estruturais:

  • Regressividade tarifária: consumidores de baixa renda pagam proporcionalmente mais que os de alta renda (IPEA, 2023).

  • Subsídios mal alocados: cerca de R$ 36 bilhões são distribuídos por ano via CDE, mas grande parte vai para grupos que não precisam de ajuda (Abraceel, 2024).

  • Incentivo ao desperdício: ao não diferenciar uso essencial de supérfluo, a tarifa atual não promove eficiência.

Benefícios potenciais das ITRs para o Brasil:

  • Justiça tarifária real: proteção ao consumo essencial e maior contribuição dos grandes consumidores.

  • Incentivo à eficiência energética: empresas e residências com alto consumo passam a ter incentivo financeiro para reduzir uso.

  • Sinal de preço alinhado à política pública: o custo da energia passa a refletir escassez e impacto ambiental.


O que defende Ahmad Faruqui?

Ahmad Faruqui é uma das maiores autoridades em tarifas de energia no mundo. Em seus artigos, publicados por veículos como Utility Dive e The Brattle Group, ele sustenta que:

“O futuro das tarifas elétricas está na sua capacidade de comunicar escassez, estimular eficiência e promover equidade.”

Segundo Faruqui:

  • As ITRs funcionam mesmo em mercados com grande desigualdade social.

  • Elas devem ser combinadas com educação energética e tecnologia de medição inteligente.

  • São mais eficazes quando personalizadas à realidade socioeconômica local, sem copiar modelos externos de forma cega.


Barreiras e desafios no cenário brasileiro

Apesar do potencial, há obstáculos importantes à adoção das ITRs no Brasil:

  • Resistência política e institucional, especialmente de setores que se beneficiam de subsídios ocultos.

  • Falta de dados granulares sobre consumo e renda domiciliar, o que dificulta calibrar o modelo.

  • Pressão de grandes consumidores e de lobbies contrários à progressividade tarifária.


Caminhos para implementação no Brasil

A adoção de Inverted Tier Rates no Brasil requer uma abordagem gradual e estratégica. Especialistas como Edvaldo Santana (ex-diretor da Aneel) e Pedro Bittencourt (UFJF) já sugeriram modelos adaptáveis:

  1. Criação de uma faixa isenta até 80 kWh/mês, com base no consumo essencial.

  2. Divisão dos demais blocos em 2 ou 3 níveis tarifários, escalonados conforme o aumento do consumo.

  3. Incorporação de smart meters (medidores inteligentes), que já são realidade em vários estados.

  4. Campanhas de educação energética, mostrando como economizar e por que a nova estrutura é mais justa.


Conclusão

As Inverted Tier Rates não são apenas uma engenharia tarifária. Elas representam uma mudança de paradigma sobre o acesso, uso e precificação da energia elétrica. São um caminho para conciliar justiça social, eficiência energética e sustentabilidade fiscal.

Em um momento em que o Brasil discute a modernização do setor, a prorrogação das concessões de distribuição e a revisão de subsídios, o debate sobre as ITRs não pode mais ser adiado. Ahmad Faruqui já mostrou que funciona. A questão agora é política — e de coragem para reformar.

Na MTX26, acompanhamos de perto as transformações do setor elétrico e defendemos modelos tarifários que unam justiça social, eficiência e sustentabilidade. Acreditamos que iniciativas como as Inverted Tier Rates são fundamentais para reequilibrar o sistema, corrigir distorções históricas e preparar o Brasil para um futuro energético mais inteligente e acessível. Nosso compromisso vai além da comercialização de energia: queremos impulsionar um mercado mais transparente, moderno e conectado com as reais necessidades da sociedade.

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